terça-feira, 6 de novembro de 2007

S. Domingos e S. Pedro Mártir

5.1. a) [Imagens de] S. Domingos e S. Pedro Mártir [no Arco triunfal da Igreja Conventual]

Conhece-se o contrato feito por D. Francisco de Vasconcelos, 1º conde de Figueiró e irmão de sangue de Fr. João, relativo à encomenda a este escultor das imagens de S. Domingos de Gusmão e de S. Pedro Mártir para o arco triunfal da igreja do convento de S. Domingos de Benfica[fig. 12A], dos então arredores de Lisboa[1]. O Capítulo Geral da Ordem dos Irmãos Pregadores reunido em 1254 em Budapeste tinha determinado que na Capela-mor de todas as igrejas conventuais da Ordem se colocassem as imagens de S. Domingos de Gusmão e de S. Pedro Mártir[2]. É o que acontece entre nós, por exemplo, nos vitrais que ornam a capela-mor da igreja conventual do mosteiro de Nossa Senhora da Vitória na Batalha[3].
Estas imagens foram colocadas nos respectivos nichos sob a orientação do entalhador Jerónimo Correia, na presença de Fr. João de Vasconcelos[4].
Fr. Manuel da Silva refere o facto de estas estátuas terem “mais de grossura que os nichos” para onde eram destinadas “meio palmo”[5]. Isto acontecia à largura, já que as medidas que constam do contrato eram só as da altura - "de a dos baras de alto cada una". De facto, o nicho onde se encontra a estátua de S. Pedro Mártir[fig. 14] está ligeiramente cortado à largura ao nível do cotovelo esquerdo. A estátua de S. Domingos[fig. 13] entra resvés à largura, ultrapassando a parte do antebraço e pulso direitos, que ficam de fora, a largura do respectivo nicho[6].
Os atributos das imagens desapareceram[7], mas as atitudes descritas correspondem, assim como o golpe de machada no alto da cabeça de S. Pedro Mártir[8]. Por outro lado, a comparação com o celebérrimo S. Bruno da Cartuxa de Miraflores, perto de Burgos, confirma, a nosso ver, a autoria destas estátuas.
Em 1635 encontra-se Juan Martínez Montañés em Madrid, chamado à corte para modelar a cabeça do Rei (Filipe IV de Castela e III de Aragão e de Portugal), onde se queda até Fevereiro de 1636[9]. Ora Manuel Pereira recebeu a encomenda das imagens para o retábulo-mor de S. Domingos de Benfica em Maio de 1636, pelo que ousamos aventar a hipótese de o nosso escultor ter recebido influência de Montañés - o que explicaria as semelhanças formais que a nossos olhos se podem encontrar entre o S. Domingos penitente (1606-07) do Museu de Belas Artes de Sevilha (procedente do mosteiro de Portacœli)[10] e o S. Francisco de Assis (1621-26?) do convento de Santa Clara da mesma cidade andaluza[11], de Montañés, e as referidas imagens do cenóbio de Benfica, em especial do S. Domingos, de Pereira. As semelhanças entre as citadas imagens de Montañés e o S. Domingos de Pereira situam-se especialmente no rosto, "de admirável transparência espiritual"[12]. Sabemos que a produção de Manuel Pereira é muito diferente, a ponto de só acreditarmos que certas obras são dele mediante documentação insofismável. Já Cruz Cerqueira tinha chamado a atenção para os elementos sevilhanos que encontrava nas esculturas de Benfica.179A
A autoria pereirina das imagens atrás analisadas foi posta em dúvida antes do achado documental de Mercedes Agulló y Cobo, publicada em 1978[13]. Sem termos tido conhecimento desta documentação, e baseando-nos numa leitura mais atenta dos textos de Fr. António da Encarnação e de Fr. Lucas de Santa Catarina[14], e nas características iconográficas e estilísticas das quatro grandes imagens de vulto do altar-mor (além das de S. Domingos e S. Pedro Mártir no arco triunfal, as de S. Francisco e S. Domingos colocadas nos intercolúnios e agora apeadas), já em 1979 defendíamos a autoria de Manuel Pereira para estas imagens[15]. O achado documental de Mercedes Agulló foi referido entre nós e apenas de passagem por Carlos Moura em 1989[16]; contrariamente ao que aconteceu em Espanha com as notícias elaboradas por Martín González, em 1983[17] e em 1988[18], e Morales y Marín em 1991[19].

Extracto de: Fr. António-José de ALMEIDA O.P. - «Imagines Sacrae» no Convento de São Domingos de Benfica. Lisboa: [Texto policopiado], 1999. 2 vols.

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[1] Mercedes AGULLÓ y COBO, "Manuel Pereira. Aportación documental", in Boletin del Seminario de Estudios de Arte y Arqueología, Valladolid, tomo XLIV (1978), p. 269 - vd. Apêndice, Doc. 1.
[2] Monumenta Ordinis Praedicatorum Historica, III, p. 70.
[3] S. Domingos atrás de D. Manuel e S. Pedro atrás de D. Maria, atitude semelhante à observada no portal axial do mosteiro de Sta. Maria de Belém (vulgo Jerónimos) em Lisboa - como já salientámos na nossa comunicação no Simpósio de Salónica da Rota das influências monásticas, em Outubro de 1993 - Fr. António José de ALMEIDA op., “Iconographie Monastique au Portugal: Quelques Exemples Significatifs (Batalha, Belém, Benfica)”, in NATIONAL Helenic Research Foundation, Institute for Byzantine Research, Trends in Orthodox Monasticism, 9th-20th centuries, Atenas, Cultural Relations Division - Ministry of Culture, 1996 (col. Byzantium Today 1), pp. 303-307. O mesmo se pode dizer do quadro anónimo quatrocentista do Museu do Prado, Inv.-Nº 1260: S. Domingos encontra-se atrás de Isabel de Castela, e S. Tomás de Aquino atrás de Fernando de Aragão - Gregor Martin LECHNER, "Iconographia Thomasiana. Thomas von Aquin und seine Darstellungen in der bildenden Kunst", in Willehad Paul ECKERT op (dir.), Thomas von Aquino: Interpretation und Rezeption. Studien und Texte, Mogúncia, Matthias-Grünewald, [1974], Est. 2, fig. 2.
[4] M. da SILVA, Breve Sumario..., ff. 7v. -8r. (Apêndice, Doc. 3, p. 20). Fr. Lucas de SANTA CATARINA, Quarta Parte da História de S. Domingos particular do Reino e Conquistas de Portugal (1ª ed. Lisboa, 1767), cap. XXI, (Fr. Luís de SOUSA, História de S. Domingos, Porto, Lello, 1977, vol. II, p. 557) diz somente que as medidas das estátuas eram superiores às dos nichos.
[5] M. SILVA, Breve Sumario ..., f. 7 vº (vd Apêndice, vol. II, Doc. 3, p. 22).
[6] Esta imagens são descritas por Fr. António da ENCARNAÇÃO, “Addição…de Bemfica”, in Hist.S. Dom., II Parte, L. II (vol. I, p. 890).
[7] O cachorro que hoje se encontra aos pés da estátua setecentista de S. Domingos, no nicho do lado do evangelho, provém da outra estátua do mesmo santo que estava no intercolúnio do lado da epístola e foi apeada no último restauro [fig. 7].
[8] Vd. o episódio do martírio do Santo em Fr. António ROSADO, Sermão feito em Saõ Domingos do Porto na festa de São Pedro Martir, s.l., Off. Nicolao Carvalho, 1620.
[9] J.J. MARTÍN GONZÁLEZ, Escultura Barroca …, p. 152.
[10] José HERNÁNDEZ DÍAZ, Juan Martínez Montañés (1568-1649), Sevilha, Ed. Guadalquivir, 1987, figs. 84 (p. 112) e 85 (p. 113).
[11] Ibid., fig. 242 (p. 215).
[12] No dizer de J.J MARTÍN GONZÁLEZ, Escultura Barroca …, pp.147-148, a propósito da cabeça do S. Francisco do Convento de Santa Clara.
179A Cruz CERQUEIRA, "As imagens e os painéis de S, Domingos de Benfica. Notas para a história artística de Manuel Pereira e Vicente Carducho", in Olissipo, vol. IX, ano de 1946, nº 35 (Julho), pp. 136-143, e nº 36 (Outubro), pp. 203-223. – citado por J.J. MARTÍN GONZÁLEZ, Escultura Barroca …, p. 258.
[13] Vd. nota 168.
[14] Só este ano tivemos conhecimento do texto de Fr. Manuel da Silva, que reproduzimos em Apêndice, Doc. 3.
[15] A. J. ALMEIDA, A Igreja do Convento …, pp. 17-19. Esta nossa opinião foi publicada, sem referência, por M.B. Gonçalves PEDRO, Igreja de Nossa Senhora do Rosário, Templo da Força Aérea em Lisboa. Apontamentos Monográficos, [Lisboa], Força Aérea Portuguesa, [1981], pp. 15-16.
[16] Carlos MOURA, "PEREIRA, Manuel (1588-1683)", in José Fernandes PEREIRA (dir.), Dicionário da Arte Barroca em Portugal, Lisboa, Presença, 1989, pp. 351-352.
[17] J.J. MARTÍN GONZÁLEZ, Escultura Barroca …, p. 258
[18] Juan José MARTÍN GONZÁLEZ, "La Escultura del siglo XVII en las demás escuelas españolas", in J.H. HERNÁNDEZ & J.J MARTÍN & J. H. PITA, La Escultura y la Arquitectura Españolas del siglo XVII, Madrid, Espasa-Calpe, 1988 (Summa Artis - Historia General del Arte, vol. XXVI), pp. 245-426; Id., "Manuel Pereira", in Ibid., pp. 371-382; Id., “Bibl. (Escola de Madrid)”, in Ibid., pp. 424-425, esp. p. 375.
[19] José Luis MORALES y MARÍN, "Barroco", in J.-A. FRANÇA & J.L. MORALES & W. RINCÓN, Arte Portugués, Madrid, Espasa-Calpe, 1991 (Summa Artis - Historia General del Arte, vol XXX), pp. 387-398 + Bibl. pp. 660-664, Manuel Pereira - pp. 328.330-332, esp. p. 328.

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